quarta-feira, 2 de abril de 2008

Liliela

Um quadrado formado por pedaços de cano PVC ½", um pedaço de pano amarrado nas extremidades. Essa é a vitrine em que encontro uma série de obras de arte. Bijuterias feitas com ferro, junco, sementes, inox, alumínio.
Me encantei por um par de brincos. O formato da “jóia” imita uma mandala, e como diz a vendedora, “até mexe um pouquinho, se quiser mudar o modelo!”.
Negócio fechado. Quero os brincos. Quanto pago?
- Sei lá, o que você tem para trocarmos?
Num primeiro momento nada me ocorre. Posso pensar e ver depois?
- Desencana, não tem pressa.
E após esse parco diálogo nossa conversa (sim, porque antes discutíamos filosofia) continua. E se estende a altas horas da madrugada, até sermos traídas pelo nosso cansaço.
Conheci a Lílian através da minha irmã do meio. Quando eu era pequena, tinha muito mais afinidade com sua irmã mais nova do que com ela mesmo.
Muitos anos depois, em situações diferentes voltamos a ter contato. O que eu fiz nesses anos? Bem, fiz faculdade, trabalhei da forma mais clichê possível as minhas oito horas diárias com duas folgas por semana, me casei, comprei meu laptop para aprimorar meu trabalho, enfim, o trivial.
E a Lílian?
- Bem, nós fomos (ela e o companheiro) morar na roça. Criamos galinhas e cachorros. Fomos de bicicleta até a Argentina, onde moramos uns anos e conheci lá o meu atual companheiro Léo. De lá mudei com o Léo para o Uruguai, mas daí fomos de carona porque de bicicleta não dava para levar os pertences. Nos engajamos em movimentos rurais, conhecemos muitos comunistas, me tornei viga - que é uma classe mais rígida que os vegetarianos pois abole totalmente a proteína animal da alimentação como ovo, leite, etc. - conheci os principais pontos turísticos desses países e as mais linda praias do Sul do Brasil, comprei uma filmadora e registrei esses momentos, mas o legal é que tudo isso foi com a grana do artesanato que fiz e vendi. Nossa horta sempre deu o essencial para a alimentação...
E por aí continua a historia de paixão pela vida, pelo próximo e pelas causas sociais.
Interpelada por ela a dizer sobre minhas conquistas, desviei o assunto. E quando acordei a primeira coisa que veio a minha mente foi: o que darei a ela?
Me lembrei muito da Gabriela, personagem do Jorge Amado muito mais sensível do que a estereotipada por Sonia Braga na Globo como uma “galinha”. A personagem do baiano era simplesmente a essência da simplicidade. A ela não eram necessários sapatos, roupas de grife, festas, formalidades, marido, status ou salário. A ela o que importava era ser feliz.
A comparação foi inevitável e minha angustia também. O que oferecer a ela em troca dos brincos?
Pensei até em devolve-los tamanho o constrangimento que tive ao pensar que essa garota de nada precisava. Mas aí também seria desfeita.
Estou tentando ganhar a vida desde que me formei. Bati e bato muito a cabeça.
Mas a Lílian? A vida dela está ganha! Cada manhã a ela é um presente, é uma oportunidade que tem de sair sob o sol e vender aquilo que sua alma produziu cuidadosamente no período vespertino, para, quem sabe sim, quem sabe não, juntar uns trocados e viajar mais um pouco. Isso é que é vida.
E eu? O que eu faço? Por hora, além de todas as preocupações que tenho, soma-se a mais intrigante: o que darei a você, Lílian?

Por Suzana Ulba

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Saga da baratinha (ou ligeiras discussões sobre os Baratos da Vida)

Gentileza das pessoas que às vezes se referem a mim dizendo: "Suzana, você é um barato!"
Talvez pelo vasto repertório de besteiróis, associações livres, ou quem sabe pelo comportamento tosco, irreverente e até mesmo bonachão. A verdade é que tal comentário sobre minha pessoa tinha um sentido literal, só eu é quem não sabia (será que já estou com antenas?).
Concluí tal observação esta noite, após indiscutíveis, sórdidas e sinistras manifestações biológicas.
Sei que o tal do Kafka sagrou-se escritor após publicar a triste história do cara que acordou barata. Sei também que o tal Garcia Marquez aproveitou o "bonde" do primeiro maluco quando leu a história e exclamou "Cacete, se o cara ficou famoso escrevendo um Barato desses, eu posso ficar famoso escrevendo qualquer coisa", e depois dessa interjeição o mundo conheceu os "Cem Anos de Solidão."
Mas voltando ao assunto Barato, descobri meu estado fatídico esta noite, quando fui insistentemente assediada por uma barata.
No calor do alto verão, hóspede em casa de uma pessoa querida, resolvi abster-me dos lençóis para melhor desfrutar da brisa noturna. Madrugada adentro percebi a sutil presença de algo que percorria minha barriga exposta pelo modelito short doll. Ao acender a luz nada mais vi além do rastro da bendita, se esgueirando por debaixo da cama.
Assustada, saquei o lençol mais do que depressa e tratei de cobrir-me o máximo que pude, deixando de fora apenas a cabeça, já que ainda não desenvolvi a técnica de respirar sob lençóis.
Já em sono profundo, carregada pelos braços do Morfeu, senti o leve beijo do ar, da brisa, do vento da madrugada, ou melhor, da Barata!
Taciturna, saltei da cama como bala, debati minha cabeça contra a parede, acendi a luz e constatei, pasma que era ELA quem estava em meu travesseiro!
ASSIM JÁ É DEMAIS!
Revoltada com tanto assédio, lancei mão de meu Jorge Amado recém iniciado e fui para a sala, não sem antes entrar debaixo da torneira numa tentativa desesperada de "expurgar" todo e qualquer tipo de atração magnética.
Sentei com meu romance, folheei umas duas páginas, e de repente percebi estar sendo fitada. Olhei pra ela e ela pra mim, mas como a amizade não era recíproca não ofereci nenhum pedaço de pudim, ao que perguntei: Qual é a tua? Suas antenas mexeram e ela se precipitou em minha direção.
Sem tempo para raciocínio lógico, levantei friamente e calquei meu pé direito sobre ela. Fui tão psicótica que fiz questão de espremer uma a uma todas as suas vértebras (se é que essa espécie as tem).
Aliviada, corri limpar a cena do crime e ocultar o cadáver para que minha anfitriã não percebesse o ocorrido.
Após tais eventos, sentei, respirei fundo, e antes de retomar a leitura do romance constatei:
É Suzana, agora sei bem porque te chamam de BARATO!

Por Suzana Ulba