quarta-feira, 28 de março de 2007

Simplismente simples


Foto: Tatiana Alcalde

Estátua do tropeiro Josias Florêncio: em 2002 estava sendo esculpida para ser colocada no portal de entrada da cidade de Silveiras (SP) ao lado da estátua de uma mula, que já estava no local.


Dizem que o mais fascinante assunto para uma câmera é gente. E é gente que mantém viva a cultura dos tropeiros. Na simplicidade, sem pretensão de ser algo além do que é, ou de fazer e receber reconhecimento público por isso. Ouvi Josias Florêncio, Maria Mendes, Joaquim Governo e Preguinho. Gente que fala do que vive sua cultura e a saudade do tropeirismo como se fosse tão real para nós quanto o é para eles. Gente que não vê nada de extraordinário em ter sido tropeiro, ferreiro ou em fazer um café tropeiro. Gente que não entende, por tamanha simplicidade e não ignorância, o fato de esculpirem uma estátua dela e a cercarem com perguntas para saber ao máximo toda história, cotidiano e hábitos de um tropeiro. Gente cujo sonho era um dia almoçar na casa de um amigo que mora no centro da cidade, pensando que lá a comida deveria ser diferente da que come no próprio bairro, mais afastado. A admiração e o respeito por essa simplicidade mantém uma cultura viva.

terça-feira, 27 de março de 2007

Símbolo do tropeirismo


Foto: Tatiana Alcalde

Josias Mendes Florêncio, tropeiro por 50 anos, faz jacás (também chamado de balaio) para incrementar a aposentadoria. Foi alçado símbolo do troepirismo em Silveiras (SP) e na região do Vale Histórico, tanto por sua habilidade "tropeira" quanto por seu carisma e desenvoltura em passar seus conhecimentos.


Um pouco de história não faz mal a ninguém

Durante séculos a riqueza do Brasil colônia circulou nos cascos das mulas. Junto com as entradas e bandeiras, os tropeiros expandiram fronteiras, criaram vilas e cidades e integraram um país imenso.
Se não fossem eles, a fome que assolou a região mineradora no fim do século 15 e começo do século 16 teria dizimado todos que foram às Minas Gerais atraídos por ouro e diamantes.
A salvação veio no lombo das tropas, que circulavam transportando alimentos. Os tropeiros chegavam trazendo comida e saíam carregados de ouro, seguindo em direção aos portos do Rio de Janeiro e de Parati. De lá, voltavam com produtos manufaturados vindos de Portugal.
Com tanto vai e vem, plantaram pelo caminho "pousos" em pasto aberto, que depois se transformaram em "ranchos". Tais abrigos foram ponto de partida para a formação de vilas e povoados. Por exemplo, o nome Silveiras vem do Rancho dos Silveiras, família considerada fundadora da cidade.
No entanto, a importância do tropeiro vai além do transporte de riquezas ou cargas. Ele propagou a língua portuguesa, levando notícias e "causos" a lugares distantes e influenciou a linguagem com expressões e provérbios falados ainda hoje. Nos "ranchos" e nas viagens nasceu a cozinha caipira. Nos jogos, com o jogo de truco, na música, chamada moda de viola, e na dança, com a catira e a cana verde, também há influências do tropeiro.
A partir do movimento das tropas e de suas necessidades surgiram novas profissões, como o peão domador, o ferrador, o seleiro, o rancheiro, e uma espécie de veterinário, chamada de aveitar.
Os tropeiros garantiam a própria sobrevivência durante a viagem com feijão, farinha, toucinho de porco, arroz e rapadura para adoçar o café. Como não havia supermercado no meio do caminho, quando a fome apertava, a solução era se virar com o que fosse possível, como os bichos-de-taquara.
Com os tropeiros e suas atividades, passadas de pai para filho, a exploração das jazidas de ouro e diamantes foi possível e a atividade pecuarista se alastrado para outras regiões do país.
Josias Mendes Florêncio faz parte dessa história, assim como tantos outros tropeiros, que mesmo aposentados preservam viva uma cultura, em uma região que hoje vive de lembranças das glórias do passado e luta para manter-se viva.
Você deve estar se perguntando "o que acabou com o tropeirismo?". O automóvel. As estradas. O progresso, caminho natural da vida, dos povos, da história.

segunda-feira, 26 de março de 2007

Arte com as mãos


Foto: Tatiana Alcalde


Geraldo Cardos, conhecido como Dedé, artesão em Silveiras (SP) e filho de troepeiro. Com habilidade, talha um pássaro para provar que realmente dá "vida" a um pedaço de madeira.

Hoje, Silveiras tem rico artesanato. Até 2002 eram 10 núcleos que exportavam para França, Estados Unidos e Argentina, além do que era vendido em outras regiões do Brasil. Cerca de 500 pessoas estavam envolvidas com o trabalho artesanal, representando um terço da renda do município.

quinta-feira, 22 de março de 2007

Artezanato

Foto Tatiana Alcalde


Zaluzejo
O Teatro Mágico
(Fernando Anitelli)

Pigilógico, tauba, cera lítica, sucritcho,
graxite, vrido, zaluzejo
Tomar banho depois que passar roupa mata
Olhar no espelho depois que almoça entorta a boca
E o rádio diz que vai cair avião do céu
Senhora descasada namorando firme
Pra poder casar de véu

Quando for fazer compras no Gadefour:
Omovedor ajactu, sucritcho, leite dilatado, leite intregal
Pra chegar na bioténica, rua de parelepídico
Pra ligar da dorroviária, telefone cedular

Quando fizer calor e quiser ir pra praia de Cararatatuba
Cuidado com o carejangrejo
Tem que tá esbeldi, não pode comer pitz
Pra tirar mal hálito, toma água do chuveiro
No salão de noite, tem coisa que não sei
Mulé com mulé é lesba e homi com homi é gay
Mas dizem que quem beija os dois é bixcional
Só não pode falar nada quando é baile de carnaval

Pra não ficar prenha e ficar passando mal
Copo d´água e pílula de ontemproccional
Homem gosta de mulher que tem fogo o dia inteiro
Cheiro no cangote, creme rinsa no cabelo
Pra segurar namorado morrendo de amor
Escreve o nome num pepino e guarda no refrigelador
Na novela das otcho, Torre de Papel
Menina que não é virgem, eu vejo casar de véu

Se você se assustar e tiver chilique
Cuidado pra não morrer de palaladi cadique
Tenho medo da geladeira, onde a gente guarda iogurte
Porque no fio da tomada se cair água pode dar cicrutche
Tô comprando um apartamento e o negócio tá quase no fim
O que na verdade preocupa é o preço do condostim
O sínico lá do prédio, certa vez outro dia me disse
Que o mundo vai acabar no ano 2000 é o que diz o acalipse

Tenho medo de tudo que vejo e aparece na televisão
Os preju do Carajundu fugiram em buraco cavado no chão
Torroristo, assassino e bandido
Gente que já trouxe muita dor
O que na verdade preocupa é a fuga do seucrostador
Seucrosta quem não tem dinheiro
Quem não tem emprego e não tem condução
Documento eu levo na proxeca
Porque é perigoso carregar na mão

Quando alguém te disser tá errado ou errada
Que não vai S na cebola e não vai S em feliz
Que o X pode ter som de Z e o CH pode ter som de X
Acredito que errado é aquele que
fala correto e não vive o que diz

quarta-feira, 14 de março de 2007

Festa do interior ...


Foto: Tatiana Alcalde

Uma igrejinha, bandeirinhas a dançar no ritmo do vento e gente. Muita gente! É Festa do Bom Jesus, em Silveiras. A cada ano, sempre no mês de setembro, comida farta, música e procissão.

sábado, 10 de março de 2007

Silêncio perturbado

Entre idas e vindas à cidade de Silveiras, interior de São Paulo, guardo dois momentos. A Festa do Tropeiro, que acontece sempre no mês de agosto, e um cortejo fúnebre. São acontecimentos e personagens diferentes, duas formas de romper com o silêncio de uma cidade do interior.
Na festa, o sol deu o ar da graça em um céu azul, presenteando a todos com sua energia. A cidade fervia com tanta gente tentando andar entre as barracas nas ruas e vários sons se misturavam, desde moda de viola até funk!
Duas semanas depois, quando voltei à região, encontrei tudo completamente diferente. O céu estava cinza. O tempo, nublado. Vi pessoas a pé em um cortejo, acompanhando o caixão até o cemitério e o sino da igreja chorando a morte. Outras pessoas acompanhavam, de longe, só com o olhar. Silveiras parou.
Eu estava a uma certa distância, em um ponto mais alto de onde podia ver toda a cidade, e mesmo assim ouvi perfeitamente o coral da igreja e o sino rompendo com o silêncio.